Jesus o Bom Diácono
O presente texto tem por objetivo analisar a dimensão da diaconia na multiplicidade de contextos e interdiscursividades da vida. Para alcançarmos esse objetivo nos utilizaremos de uma reflexão bíblico/eclesiológica da ação diaconal, nos fundamentaremos no ferramental metodológico histórico gramatical para pensar o termo diaconia, e nos debruçaremos numa perspectiva ad intra e ad extra eclesiológica em Cristo Jesus. Ou seja, a essência da prática diaconal que direciona-se para dentro e para fora da igreja. Acredito que tal reflexão, mesmo que sintética e introdutória possa elucidar e estimular o(a) caro(a) leitor(a) à ação diaconal viva e efervescente como a praticada por Jesus.
Etimologicamente é difícil determinar a origem do termo diakon-. Entre os pais da igreja encontramos conjecturas de significados como “através do pó”. Há quem afirme que sua origem vem de “mensageiro”, mas ligado ao deus grego Hermes. Outros afirmão que sua origem é de “apressado”. Entretanto, não há clara consolidação etimológica. Na Septuaginta o termo aparece apenas duas vezes, a primeira no livro de Ester 1.10 (momento em que refere-se aos servos do rei Assuero) e posteriormente no quarto livro de Macabeus 9.17 (referindo-se aos homens que carregavam as armas).
Numa análise neotestamentária é possível afirmar que a raiz diakon- e seus derivados aparecem em torno de cem vezes, isso vai depender do ferramental crítico textual utilizado. Geralmente as traduções do termo diakon- concentram-se em ‘serviço’ e ‘ministério’. Entretanto, existem pesquisas mais recentes de origem alemã que também traduzem o termo como ‘mediação’ às pessoas ou grupos.Essas pesquisas esgarçam a tradição comum de que a diaconia é o serviço aos necessitados, debruçando-se sobre textos bíblicos, literaturas gregas (a partir do V séc. a.C.), das cartas de Inácio de Antioquia e Clemente de Alexandria percebemos que dependendo do contexto o termo diakon- pode ser empregado como mediador ou servo/serviço por/para alguém.
O texto de At 6 é o exemplo básico referindo-se a diaconia como serviço. “Não é razoável que nós deixemos a palavra de Deus e sirvamos a mesa”. Na primeira chamada ao diaconato vemos que a preocupação inicial da liderança da igreja primitiva era o cuidado com os menos favorecidos, principalmente o serviço aos órfãos e as viúvas. Esse texto influenciou em grande medida toda a tradição cristã que se formaria, assim associou-se o diaconato ao serviço.
Para a compreensão de mediador podemos citar os personagens Timóteo (Rm 16.21), Febe (Rm 16.1) e Tíquico (Cl. 4.7). Para os leitores mais atentos já é perceptível que essa significação do termo diakon- é própria do estilo escriturístico do apóstolo Paulo. É relativamente comum vemos essa significação em suas epístolas. In nuce, a relação de diaconia como mediação tem a ver com a relação entre Paulo e seus ‘enviados’ às missões cristãs, em que seus representantes mediavam seus ensinamentos com as pessoas da comunidade local. Essa atividade era comum no cristianismo primitivo.
O melhor exemplo para falarmos da diaconia como serviço e simultaneamente como mediação pode ser encontrado nas palavras do próprio Jesus. Disse Ele: “Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.” (Mc 10.45). Numa disputa de quem se sentaria ao seu lado no trono celestial, Jesus empunhado do título cristológico “Filho do homem” ensina a todos nós uma exímia lição de humildade, convivência e acima de tudo, o exemplo de como verdadeiramente ser um seguidor de Cristo. Se o Deus encarnado veio para servir quem somos nós para não o imitar?
Provavelmente para a maioria dos leitores é possível que quando se pensa em diaconia, logo vem-nos à memória a figura de um obreiro ou obreira que participa das atividades operacionais da igreja. Dentre elas poderíamos citar incontáveis, mas as mais comuns são os serviços na portaria durante o culto, orientação nos corredores, banheiros, recolhimento de ofertas e o ato de servir os elementos da Santa Ceia. Entretanto, a diaconia vai muito além dessa dimensão intraeclesiológica.
Num primeiro momento faz-se necessário apreendermos que nesse texto quando falamos de igreja não necessariamente estamos nos limitando à igreja terrena e institucionalizada, mas estamos contemplando também o Corpo Místico de Cristo. Nesse sentido, quando falamos de uma ação ad intra, ela refere-se a todas as atividades operacionais e de serviços diretos prestados à igreja enquanto instituição e Corpo Místico. A essa altura do texto você pode estar se questionando: Como assim? Isso é possível? E eu te respondo com toda tranquilidade que sim, é facilmente possível que isso ocorra! Reflita comigo nesse exemplo de ação diaconal ad intra à igreja, por exemplo: o cuidado para o bom transcorrer do culto ou o servir os elementos da Santa Ceia são ações tão intraeclesiológicas quanto levar um irmão ou irmã, mesmo que não seja da sua comunidade de fé ao atendimento médico ou suprir necessidades alimentícias de irmãos que estão padecendo necessidade. In nuce, o que determina se uma prática diaconal é voltada à igreja é se ela é direcionada a quem já é cristão, mesmo que a ação diaconal seja realizada fora dos muros da comunidade de fé ou para crentes de outras igrejas.
Num segundo momento é mister compreender o conceito de ad extra ou extraeclesiológico. O pensamento é diretamente antitético ao anterior, sendo assim, uma ação diaconal ad extra é toda ação que se dirige àqueles que não são cristãos ou até mesmo o serviço à sociedade como um todo. Acredito que Jesus é maior exemplo de diaconia ad extra que podemos encontrar nos textos bíblicos, afinal de contas Ele se despiu de sua glória para habitar entre nós (Fp 2.7). Não nos faltam exemplos de ações realizadas por Jesus que independiam da fé dos beneficiados, dentre eles podemos citar: a multiplicação dos pães (Mc 6.30-56). Esse é um ótimo exemplo, pois havia todo o tipo de pessoa que seguia a Jesus, uns queriam suas palavras de vida, outros o seguiam por milagres e por fim, também existiam os que o seguiam para acusá-lo. Outro texto bem conhecido é o do Centurião de Cafarnaum (Lc 7.1-10). Aqui também vemos como Deus agiu como mediador entre Deus e os homens, agindo com poder e misericórdia. Fez o milagre e curou o servo do centurião.
Jesus foi o bom diácono porque ele 1º Não fez da ação diaconal um ministério eclesiástico, mas sim uma função para a vida de todos que são cheios do Espírito Santo, sendo assim, devemos fazer o mesmo porque todos nós somos conservos uns dos outros (Ap 19.10). 2º O cálice que Jesus tomou para si foi por toda a humanidade, ele não fez distinção de pessoas, mas se doou por todos, seja judeu ou gentio. Se sacrificou até por aqueles que não o aceitariam e se apresentou como ovelha muda ao matadouro, sendo servo e mediador de Deus para nossa salvação (Is 53.7). O 3º e último motivo de que Jesus foi o bom diácono, servo e mediador pode te surpreender. Primeiramente precisamos entender que Ele é Deus, e por ser onisciente, onipotente e onipresente não há nada que possamos fazer para surpreendê-lo, tanto para o bem como para o mau, nós não podemos dar a Ele nada que já não tenha, pois de nada além de si mesmo Ele precisa. Mesmo assim isso não impede que possamos desagradá-lo ou alegrá-lo, como o Senhor mesmo nos ensinou: “E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mt 25. 40).
Quer ser um bom servo e mediador assim como Jesus? Então sirva ao teu próximo em suas necessidades, não olhe para o homem, olhe para o Cristo que no oculto vê o seu coração. Seja mediador entre Deus e os homens através do Espírito que em ti foi derramado com alto preço! Pois quando o Rei voltar, e breve voltará, Ele nos dirá que demos comida quando teve fome, abrigo quando estava desamparado, água quando teve sede, o visitamos quando esteve preso e o cobrimos quando teve frio. Por fim dirá: Seja bem-vindo filho de meu Pai!
Brayan Lages é professor da graduação e pós-graduação da Faculdade FAECAD, onde também atua como coordenador comercial/marketing/atendimento. Está finalizando o doutorado em Teologia em 2023.1 (PUC-RIO), possui mestrado em Ciências da Religião (FUV-ES). Áreas de pesquisa: Teologia Pública, Ética, Religião e Esfera Pública.
Autor: Brayan Lages
E-mail: brayanlages@gmail.com