A Didática de Jesus: A Ilustração como Recurso Explicativo no Ensino
A história, o conto, a fábula, a narrativa histórica ou fictícia sempre foram instrumentos didáticos ao ensino, de toda e qualquer disciplina, quer secular, quer religiosa. A ilustração sempre foi um recurso imagético eficaz e útil para ilustrar uma verdade religiosa, espiritual e moral. Isto se deve ao fato de a ilustração apelar à imaginação, à criatividade, à polissemia e ao sentido mais profundo de um ensino. É possível se esquecer do conceito, mas difícil não lembrar de uma ilustração.
As funções didáticas da parábola, metáfora ou qualquer ilustração sempre foram reconhecidas pelos grandes mestres da Antiguidade como também da modernidade. Jesus é o Mestre por Excelência! Ele usou o recurso didático da ilustração com muito mais eficiência do que os mestres que o antecederam e ainda hoje ninguém o superou!
Definição de Parábola
O termo grego parabolê é traduzido com diversos sentidos no contexto do Novo Testamento. Em Hebreus 9.9 é traduzido por “alegoria”, “ilustração”, “parábola” ou “símbolos”. Em Hebreus 11.19 é traduzido por “figuradamente”, “prefiguração”; “símbolo” e “figura”. Em Mateus 13.18 as versões bíblicas traduzem literalmente por “parábola”. Seu uso está relacionado frequentemente aos ensinos de Jesus nos Evangelhos.
O vocábulo procede da preposição para, “ao lado de”, que expressa movimento “próximo a”; e de ballô, que significa “lançar”, “jogar”, “pôr” ou “colocar”. O significado literal é “jogar ou lançar ao lado de”, e, por extensão, “comparar”, “figura”, “parábola”. Parábola é a justaposição de “uma coisa ao lado de outra” com a finalidade de comparar e ilustrar uma ou mais verdades.
A parábola é um recurso literário do gênero narrativo e dito fictício que ilustra ou oculta uma verdade moral e religiosa com o propósito de inserir o ouvinte-leitor dentro do enredo da narrativa para que ele atente para a advertência, o exemplo, a doutrina ou o comportamento que deve ser apreciado ou rejeitado de acordo com o propósito pretendido.
Uma das dificuldades de se entender o propósito e a mensagem das parábolas de Jesus é o fato de os leitores modernos tentarem compreendê-las fora de seu contexto e ambiente hebraico. A parábola usada por Jesus era mais um dos vastos recursos do gênio hebreu que preferia o pictórico em vez do conceito, o concreto no lugar do abstrato. Por conseguinte, as parábolas eram recursos didáticos usados pelos judeus desde os tempos do Antigo Testamento (Jó 27.1; Hc 2.6).
Propósito das Parábolas no Ensino de Jesus
Um dos principais objetivos da parábola é provocar a imaginação e a consciência dos ouvintes de tal forma que ele se identifique com os personagens da narrativa. Ao ouvir a parábola ele deve responder à mensagem oculta nas imagens verbais e se identificar com os actantes da história. Em Mateus 13.11-14 Jesus esclarece as razões pelas quais ensina por meio de parábolas:
Porque a vós é dado conhecer os mistérios do Reino dos céus, mas a eles não lhes é dado; porque àquele que tem se dará, e terá em abundância; mas aquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. Por isso, lhes falo por parábolas, porque eles, vendo, não veem; e, ouvindo, não ouvem, nem compreendem. E neles se cumpre a profecia de Isaías: […] (Mc 4.10-13; Lc 8.9,10).
Há um propósito pelo qual Cristo emprega as parábolas: porque eles, vendo, não veem” (Mt 13.13); ou “para que, vendo, vejam e não percebam” (Mc 4.12; Lc 8.10). Marcos usa para que mostrando a finalidade da parábola e a indisposição do público, enquanto Mateus emprega porque para acentuar a causa da cegueira e a livre disposição da multidão para rejeitar ou aceitar a mensagem do reino de Deus.
Cabe informar que dois grupos são facilmente distinguidos no texto: dos discípulos, e da multidão frívola – inclusive os líderes judeus.Ao primeiro grupo se dirigem às referências positivas, enquanto ao segundo às negativas. A estrutura antitética do texto reforça essa característica. Aos discípulos, possibilitados pelo estilo didático das parábolas é concedido o conhecimento dos mistérios do Reino de Deus, enquanto para os fariseus e a multidão, a mesma ilustração que serve de luz aos discípulos serve-lhes de trevas.
Não é muito difícil entender a principal razão pela qual o segundo grupo não compreende as parábolas: Eles não têm disposição obediente e contrita para ouvir e aceitar com fé e arrependimento genuíno a mensagem de Jesus. Eles esperavam que Cristo falasse do Reino de Deus com ações exteriores, mas para decepção do cortejo, foi acentuado a adesão ao Reino por meio de uma disposição interior. Isto se explica pelo contexto imediato e, depois, pela primeira parábola de Mateus 13. Essas parábolas surgem em função da oposição dos fariseus e da hostilidade de alguns da multidão contra o ministério de Jesus e a mensagem do Reino de Deus (Mt 11; 13. 53-14.2).
A primeira parábola das sete mencionadas em Mateus 13 acusa silenciosamente a multidão, cujo coração e disposição para atender a mensagem do Reino são comparados a solos nos quais a semente (a Palavra do Reino) não frutifica. Somente uma pequena parte “frutifica” em razão de ser boa terra (v.23).
As parábolas, portanto, se propunham a revelar os mistérios do Reino de Deus aos contritos e humildes e a ocultar as mesmas verdades da multidão insensível à mensagem. Para entendê-las era necessário reconhecer a Jesus como o Messias e que a sua mensagem revelava o Reino de Deus.
Por conseguinte, Jesus empregou as parábolas com, pelo menos, dois objetivos principais: didático e teológico. No primeiro, assumia uma função semelhante aos sábios do Antigo Testamento e, no segundo, a do intérprete do Reino de Deus.
Em seu aspecto didático, Jesus se identifica com os sábios, visto ser o māšal o recurso didático mais apreciado pelos sábios judeus do Antigo Testamento. Mediante o uso de comparações parabólicas tudo quanto Jesus se opõe em seus ensinos a respeito do Reino de Deus são tidos como “loucuras” – ações, atitudes ou conceitos dos néscios, simples, ou loucos que não aceitam o Reino de Deus e a sua mensagem. A sabedoria (hokmâ) dos sábios se opõe a insensatez do louco (nābāl). Segue, portanto, uma extensa tradição literária do judaísmo que empregava o gênero metafórico para ensinar verdades morais e religiosas. Contudo, Jesus se distingue dessa tradição pelo fato de que seus ensinos, quando comparados aos livros de sabedoria da tradição judaica, não se propõem a dar conselhos e orientações práticas às circunstâncias da vida, mas ensinar a sabedoria escatológica do Reino de Deus (Mt 18.9; 25; Lc 12.13-21,35-48,54-59; 14).
Ao preparar cidadãos do Reino, Jesus demonstrava a loucura em construir uma “casa na areia” ou mostrava a insensatez de se “confiar na própria riqueza”. Conselhos não muito distantes daqueles praticados pelos sábios de Israel, se não fosse pelo fato de que essa sabedoria faz parte de um novo tempo e de uma nova ordem que está em processo, o Reino de Deus. Assim, uma vez compreendida a mensagem do Reino de Deus por trás da comparação, os ouvintes são conduzidos a comparar entre a história contada e a realidade vivida. As parábolas explicam não apenas de maneira descritiva, mas convidando e apelando! O ouvinte é persuadido pelas imagens didáticas do ensino, mas compreenderá somente quando participar humildemente do discipulado de Jesus.
As simples histórias contadas por Jesus para ilustrar o Reino de Deus tornavam uma verdade prática, embora oculta pelo cotidiano, clara e perceptível a todos.
As comparações usadas por Jesus não apenas apresentavam uma verdade, mas também condenavam atitudes arbitrárias, injustiças sociais e hipocrisias religiosas. Seu ensino não era apenas anunciação do Reino de Deus, mas também denúncia dos pecados dos homens que, para viverem em conformidade com o Reino de Deus, necessitavam de uma metanóia. A semelhança de Natã (2Sm 12), os ensinos ilustrativos de Jesus são veementes invectivas contra o pecado e hipocrisia dos líderes religiosos que, presos a antiga ordem, não percebem a implantação do Reino de Deus, a Nova Era. Devido à impenitência desses líderes, as parábolas lhes eram narradas para ocultar a mensagem do Reino de Deus, no entanto, contadas para revelar os mistérios do mesmo Reino aos humildes de espírito.
Esdras Costa Bentho é pedagogo, mestre e doutor em Teologia Sistemática e Pastoral pela PUC RJ. Coordenador e professor da Graduação em Teologia da Faecad e autor dos livros Hermenêutica Fácil e Descomplicada; A Família no Antigo Testamento; Igreja Identidade e Símbolos; Davi, as vitórias e derrotas de um homem de Deus; Introdução aos Estudo do Antigo Testamento, todos editados pela CPAD, e ainda, Da História à Palavra: a teologia da revelação em Paul Ricoeur (Reflexão).
Autor: Esdras Bentho
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