CRISTO, A PLENA COMUNICAÇÃO DE DEUS CONOSCO (HB 1.1-4)
Hebreus é um dos mais belos escritos do Novo Testamento. Ao contrário do senso comum, o gênero literário deste livro não é Carta ou Epístola, pois os elementos formais que identicam o gênero “carta” estão ausentes, a não ser na saudação final (Hb 13:23-25) que é assunto controverso entre os estudiosos. Assim, o gênero literário deste livro é “sermão ou homília”, pois é uma exposição da superioridade da pessoa de Cristo em relação aos anjos, à Moisés, ao Templo e aos sacrifícios nele oferecidos, ao sacerdócio levítico e à antiga Aliança como um todo.
Estruturado de forma retórica, o livro dispõe o sumo-sacerdócio de Cristo no centro do arranjo literário. A Cristologia deste livro é profunda, e desde o exórdio (Hb 1:1-4), através de uma única frase grega, Cristo é apresentado como a plena comunicação de Deus aos seres humanos.
O exórdio pode ser dividido assim: Deus é o sujeito dos verbos nos versículos 1 e 2, e Jesus, o sujeito dos verbos nos versículos 3 e 4. Desta forma, (1) Deus: outrora, tendo falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, 2nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo.
Em relação a (2) Jesus: é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser; sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas, tendo-se tornado tão superior aos anjos quanto herdou mais excelente nome do que eles.
Os versículos 1 e 2 iniciam o Exórdio do livro com uma surpreendente afirmação: O Deus criador tomou a iniciativa de revelar-se e isto Ele fez pela mediação da sua Palavra. Assim, o Deus bíblico revela-se como Deus relacional, pois se comunica conosco. O texto coloca em contraste duas eras distintas, quando afirma que “tendo Deus falado outrora…” com “nestes últimos dias nos falou pelo Filho”. O que há em comum entre estes períodos é o fato de Deus “falar”; entretanto, os destinatários e os meios da comunicação são diferentes. O v.1 traz a afirmação: “tendo Deus, outrora, falado aos pais pelos profetas”. Este é o tempo passado, em que Deus serviu-se dos “seus servos, os profetas” (Jr 7:25; 25:4; 26:5; 35:15 e 44:4) para falar aos antepassados do povo. Todavia, nestes últimos dias, os destinatários da mensagem são outros e o meio pelo qual Deus fala é outro: se no passado, Ele falou pelos seus SERVOS, os profetas (Jr 7:25), hoje, Ele fala pelo FILHO. No passado, a antiga aliança foi mediada pelo servo Moisés (Jo 1:17-18), paradigma do ministério profético (Dt 18:15.18), mas agora o Filho é mediador de uma nova e superior aliança (Hb 8:6; 9:15).
A respeito do Filho, é dito no versículo 2 que Deus o fez herdeiro de tudo e que por intermédio dele fez o universo. Assim, a mediação do Filho nos propósitos de Deus, de acordo Hebreus e em outros livros do Novo Testamento, é tanto na criação (Hb 1:2; Jo 1:3) quanto na redenção (Hb 1:3; Hb 9:12; Ef 1:7).
O versículo 3 afirma que o Filho é o resplendor da gloria de Deus e a expressão exata (caráter) do seu ser (da substância de Deus). A palavra grega caráter, um hapax legomenon (palavra de ocorrência única) no Novo testamento, “era utilizada para impressão ou gravura sobre uma superfície, de forma a reproduzir fielmente os traços em relevo por contato direto.” Desta maneira, o texto põe em destaque a unidade entre Deus e Jesus e concorda com outras passagens do Novo Testamento que declaram que Jesus é a imagem do Deus invisível (Cl 1:15).
O texto prossegue ao afirmar que Jesus: “sustenta todas as coisas pela sua Palavra”, “que fez a purificação dos pecados” e assentou-se a Destra da Majestade nas alturas”. Estas atividades remetem às instituições do profetismo, do sacerdócio e da monarquia. Quando o texto declara que Cristo fez a purificação dos pecados, implica que ele tornou obsoletos todos os sacrifícios de animais realizados no Templo (Hb 9:12,13; 10:4) pois por um único sacrifício fez a expiação dos pecados (Hb 10:12). Não apenas os sacrifícios perderam o sentido de existência, mas também o sacerdócio levítico, pois Jesus é sumo sacerdote puro e inculpável diante de Deus, e por isso pode oferecer-se a si mesmo (Hb 9:26-28). Ao assentar-se à Destra de Deus, assume sua condição de rei e senhor do mundo.
Destarte, tal como o alvorecer de um novo dia faz passar a noite, a vida e o ministério de Jesus tornaram vazios e sem sentido as instituições vétero-testamentárias. A Palavra de Deus agora pode ser ouvida, conhecida e experimentada através daquele que disse: “Quem vê a mim, vê o Pai”. Se queremos saber como Deus é, devemos ouvir o Filho, e ao ouví-lo, contemplar Deus na sua face humana.
Claudio Marcio Pinheiro Martins é Doutor em Teologia Bíblica pela PUC-Rio. Atualmente é coordenador da pós-graduação e extensão da Faculdade FAECAD, onde também leciona no curso de graduação em Teologia. Área de pesquisa: Exegese e Teologia Bíblica.
Autor: Cláudio Marcio Pinheiro Martins
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